...climática e cumprimento das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada - NDC brasileira
Os serviços ambientais desempenham um papel importantíssimo nas estratégias de combate às mudanças climáticas, tanto em termos de mitigação, quando de adaptação. Para fins de análise pontual a respeito da contribuição da Política Nacional de Pagamento por Serviço Ambiental para a emergência climática e cumprimento das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada - NDC brasileira, 4 pontos podem ser observados: i) obrigatoriedade de observância da legislação ambiental; ii) quais instrumentos coadunam com estratégias de mitigação e adaptação e quem são os atores; iii) como a política pública se estrutura em termos de financiamento; iv) os meios de regulamentação da política pública.
O pagamento por serviços ambientais encontra agasalho na legislação brasileira há um bom tempo. As leis 12.114/09 (quando da definição legal sobre a aplicação dos recursos do fundo clima) e 12.651/12 o mencionam expressamente. Todavia, apesar das iniciativas de regulamentação municipais e estaduais, poucos avanços em direção à estruturação de uma política nacional puderam ser observados até 2021. Nesse sentido, a Lei 14.119/21 perfectibiliza antiga demanda ambiental por uma estratégia federal orientada pela articulação e complementação entre mecanismos de comando, controle e incentivos, financeiros ou não, destinados a quem produz externalidade positiva.
A Lei 14.119/21 condiciona o pagamento do serviço à observância da legislação ambiental. A comprovação de uso regular de imóvel por meio de inscrição no CAR como requisito para participação no Programa Federal; a vedação de aplicação de recurso público quando o pagamento por serviço ambiental for destinado à pessoa física ou jurídica inadimplente em relação a TAC; o fato de as obrigações constantes de contrato de pagamento por serviço ambiental terem natureza propter rem; e a obrigação legal de verificação e comprovação de ações de manutenção ou melhoria promovidas pelo serviço a ser pago – são todos exemplos positivos nesse sentido. Contudo, com exceção da obrigação propter rem, que tem sistema próprio de verificação, os demais precisam ser fiscalizados. As ações do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, especialmente a partir do inciso V do artigo 7º, têm potencial mitigatório em relação ao combate das mudanças do clima. Mas sua eficácia dependerá de como serão regulamentadas e a maneira como o mercado as recepcionará.
Por outro lado, a falta de dados absolutos da última Contribuição Nacionalmente Determinada - NDC brasileira no que se refere à redução de emissões pretendidas para 2025 e 2030, a ausência de estratégia formal de longo prazo, e de planos detalhados ou medidas para alcançar a neutralidade climática, são exemplos de fatores que dificultam uma análise contundente acerca de contribuições mútuas. Isso ocorre porque a NDC é vaga, e uma série de pontos da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais ainda não foram regulamentados. De toda forma, a PNPSA poderá contribuir sobremaneira para a questão climática a partir do momento em que suas regulamentações, inclusive do artigo 11, orientarem ações ligadas a mudanças e substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de produção, a implementação de medidas que diminuam as emissões de gases de efeito estufa e aumentem os sumidouros (mitigação). Fundamental nesse contexto, que a necessidade de adaptação venha acompanhada de incentivos, subsídios ou outras estratégias. Esse não é um processo barato e demanda confiança. Logo, segurança jurídica e racionalidade financeira precisam estar de mãos dadas.
Em termos de adaptação a situação é mais grave, pois a PNPSA e a NDC (que não preencheu a parte relacionada à adaptação) seguem a mesma linha. Ambas desconsideram a adaptação climática, um dos pilares do Acordo de Paris como ação tão importante quanto à mitigação. Embora o texto da NDC cite a dimensão social como estratégica, em nenhum momento indica esforços de proteção às comunidades mais vulneráveis às mudanças climáticas. Aliás, chama atenção o fato de uma séria de políticas públicas terem sido mencionadas expressamente pela Lei 14.119/21, e a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608/12) ter sido esquecida. Observa-se nesse contexto, uma falta de raciocínio sistêmico incapaz de interligar o óbvio, sobretudo quando se pensa no Brasil e o cenário de recorrentes desastres. Ações ligadas a medidas voltadas à redução da vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima são tão emergenciais quanto as de mitigação.
Além da ausência de instrumentos que coadunem com estratégias de mitigação e adaptação, a ausência de definição de atores e papéis é um dos pontos complicados da Lei 14.119/21. Embora a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais avance na indicação de estratégias, conceitos e indicação de ações, seu déficit de instrumentalização e na parte de governança (absolutamente vetada na Lei) é inegável. Previsões sobre “como fazer e quem faz o que” são fundamentais para a real implementação de toda política pública. Em complemento, o tratamento dado à matéria em relação às fontes de financiamento, conhecidamente um dos grandes gargalos do PSA é, talvez, o ponto nevrálgico da Lei, pois não existe política pública sem financiamento. O programa federal prevê como fonte de financiamento doações de pessoas físicas e jurídicas, agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional (artigo 6º, §7º, da Lei nº 14.119/21). O projeto de lei original continha a previsão de um fundo específico, o Fundo Federal de PSA, a ser alimentado com recursos provenientes da compensação financeira pelo uso de recursos naturais (como hídricos, exploração mineral e royalties pela exploração do petróleo e gás natural), TCFA, dotações orçamentárias, acordos, contratos e convênios celebrados com a administração pública, doações, empréstimos, reversão de saldos não aplicados, dentre outros. Durante a tramitação do PL, dentro das comissões temáticas da Câmara, as fontes de financiamento foram completamente esvaziadas. Salvou-se, todavia, a manutenção da possibilidade prevista no artigo 21.
As observações sobre contribuições da PNPSA à matéria climática e as metas da NDC também demandam olhar sobre regulamentação e sua perenidade. Nesse passo, importante destacar que regulamento é ato administrativo normativo, veiculado por decreto, expedido no exercício da função regulamentar, contendo disposições, dirigidas aos subordinados do editor, disciplinando o modo de aplicação das leis. Ele não deve ser confundido com os demais atos normativos, como portarias, resoluções etc. Regulamento não se limita a reproduzir, literalmente, os termos da lei. Pode estabelecer regras orgânicas e processuais para órgãos e agentes administrativos, elucidar, com base em critérios técnicos, os fatos, as situações ou os comportamentos enunciados na lei de forma vaga; e é elaborado pelo chefe do Poder Executivo. Já a portaria é expedida por autoridades de escalão mais abaixo, investidas de poderes menores. Ademais, os efeitos de uma portaria, diferente de um decreto, se restringem ao âmbito de atuação do órgão que os expede. Além do alcance mais limitado, a portaria é uma espécie de ato normativo revogado com bastante facilidade.
As Portarias nº 288/2020 (Foresta+) e 487/21 (Floresta+Agro) estão dentre as recentes regulamentações da PNPSA, criam modalidades de PSA dentro daquilo que permite o artigo 3º da Lei, a partir de uma visão de “regulamento” adotada pelo executivo, dentro de um perspectiva de fomento do mercado voluntário. Sob uma ótica diferenciada, mas ainda nesse contexto, cabe ressaltar o PL528/21, em trâmite no Congresso Nacional, que propõe um mercado obrigatório a ser regulamentado em até dois anos, estabelece um mercado de emissões com base na Política Nacional de Mudanças Climáticas voltado à floresta, mas também a outros setores da sociedade, prevendo, inclusive, limites de emissões.
Um dos objetivos expressos da Política Nacional de Pagamento por Serviço Ambiental é “contribuir para a regulação do clima e a redução de emissões advindas de desmatamento e degradação florestal”, ações absolutamente ligadas à emergência climática. Ainda é cedo para fazer uma análise terminativa sobre as contribuições mútuas seria precipitada, mas um encaminhamento no sentido contrário iria contra a legalidade expressa.
Adotando a conceituação de Adger et al. e Smit e Wandel, que consideram a adaptação como “formas de reduzir a vulnerabilidade”, tem-se que, para que o PSA dê uma contribuição significativa para a adaptação, ele deve reduzir a vulnerabilidade. De acordo com a maior parte da literatura sobre mudanças climáticas, ambiente e desastres, a vulnerabilidade é conceituada a partir de três componentes principais: exposição, sensibilidade e capacidade adaptativa. Nesse sentido, pode ser diminuída aumentando a capacidade adaptativa ou reduzindo a sensibilidade. Quando se fala em vulnerabilidade, é sempre importante definir quem ou o que é vulnerável a quê, ou seja, delineando o sistema de análise e seus atributos (Füssel 2007). No contexto do PSA, o sistema de análise é o sistema socioecológico acoplado. Nessa perspectiva, o social faz parte do ambiente.
Questão interessante ser considerada no processo de regulamentação em andamento é que poderia ser fornecido um mecanismo de incentivo para a adoção de medidas específicas de adaptação às mudanças climáticas. Em muitos casos, a capacidade de moradores rurais ou mesmo urbanos de implementar atividades de adaptação é limitada, o que dificulta a possibilidade de adaptação autônoma. Nesse sentido, em vez de usar pagamentos em dinheiro, o incentivo poderia, por exemplo, assumir a forma de sementes resistentes à seca como medida de adaptação contra a seca ou a variabilidade climática em geral; modalidades de seguro mais atrativas, dentre alternativas. De fato, três dos objetivos da PNPSA, previstos no artigo 4º, trazem essa linha de raciocínio, senão vejamos: “V incentivar medidas para garantir a segurança hídrica em regiões submetidas a escassez de água para consumo humano e a processos de desertificação; XII - incentivar o setor privado a incorporar a medição das perdas ou ganhos dos serviços ecossistêmicos nas cadeias produtivas vinculadas aos seus negócios; XIII - incentivar a criação de um mercado de serviços ambientais”. Aguardemos.
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