O número de mortos em desastres causados por excesso de chuva no Brasil teve um aumento expressivo neste ano. O maior desastre em número de óbitos de 2022 aconteceu em fevereiro em Petrópolis, no Rio de Janeiro, quando 233 pessoas morreram. Mais de cento e vinte mortes e 70 mil desabrigados são os números não conclusivos do evento de Recife no momento. Nos primeiros 5 meses de 2022, mais de 400 pessoas morreram em desastres causados pelo excesso de chuva no Brasil, conforme dados do S2ID (Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres) do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Diante desse contexto, cresce a importância do debate sobre sistemas de alerta e os deveres legais correlatos à questão no Brasil.
O alerta precoce é um elemento importante diante da potencialidade de ocorrência de um desastre e, ao mesmo tempo, uma medida adaptativa diante dos diversos impactos esperados das mudanças climáticas. Evita a perda de vidas, empregos, terrenos, infraestruturas (naturais e artificiais) e apoia a sustentabilidade a longo prazo. Não por outra razão, o fortalecimento da cadeia de alerta antecipado é uma das metas globais estabelecidas pela Estrutura de Sendai para Redução de Riscos de Desastres 2015-2030. O alerta se situa na fase de preparação para o desastre e serve para que órgãos de proteção e defesa civil, as comunidades em risco e a sociedade fiquem de sobreaviso e se movimentem a tempo de salvar vidas e mitigar danos e perdas. Auxilia as organizações na melhor tomada de decisão e no fortalecimento da percepção de risco, o que é fundamental pra o desenvolvimento de uma cultura de prevenção.
Da Terceira Conferência Internacional sobre Alerta Precoce, realizada em 2006, na Alemanha, decorreu uma proposta de projeto de alerta baseada numa perspectiva “de ponta a ponta” e “centrada nas pessoas”. Embora conferências posteriores a tenham atualizado, seus quatros elementos merecem destaque, pois estruturais e relevantes para a conformação de qualquer sistema. São eles: (1) conhecimento do risco de desastre a partir da coleta de dados e sua avaliação; (2) serviço de monitoramento e alerta; (3) divulgação e comunicação; e (4) preparação em todos os níveis para responder às advertências recebidas. Esses quatro componentes interrelacionados precisam ser coordenados em vários níveis para que o sistema funcione de forma eficaz e inclua um mecanismo de feedback para melhoria contínua. A falha em um componente ou a falta de coordenação entre eles pode levar à falha de todo o sistema.
A regulamentação jurídica acerca dos deveres e responsabilidades dos atores envolvidos no processo de alerta também é elementar quando da definição dos sistemas de alerta. Quadros legislativos e políticas públicas nacionais são cruciais tanto no apoio, quanto implementação e manutenção de sistemas de alerta eficazes.
No Brasil, a Lei nº 12.608/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC e estabeleceu outras providências, traz o alerta precoce em diversos momentos. Primeiramente, “produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres” é um dos objetivos da PNPDEC, nos termos do artigo 5º, IX.
Esse objetivo se materializa na prática por meio do exercício das competências atribuídas a cada ente federado. Assim, uma das competências da União no âmbito do sistema nacional de proteção e defesa civil é (..) “produzir alertas sobre a possibilidade de ocorrência de desastres, em articulação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (artigo 6 º, IX).
Aos Estados cabe “apoiar, sempre que necessário, os Municípios (...) na divulgação de protocolos de prevenção e alerta e de ações emergenciais. (artigo 7º, VIII)
Já os municípios têm a competência de “manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de desastres” (8º, IX).
A Lei 12.608/12 também autorizou a criação de sistema de informações de monitoramento de desastres, em ambiente informatizado, que atuará por meio de base de dados compartilhada entre os integrantes do sistema nacional, visando ao oferecimento de informações atualizadas para prevenção, mitigação, alerta, resposta e recuperação em situações de desastre em todo o território nacional (artigo 13).
Em 2020 esse sistema foi reforçado pelo Decreto nº 10.593/20. De acordo com o ato do poder executivo, o Sistema Nacional de Informações e Monitoramento de Desastres será:
instituído e coordenado pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional (artigo 35);
integrado pelos sistemas existentes ou que venham a ser instituídos pelos órgãos e entidades integrantes do Sinpdec. (artigo 36), sendo que;
os sistemas integrantes do Sistema Nacional de Informações de Monitoramento de Desastres deverão fornecer dados e informações relativos aos seguintes tipos de risco, entre outros: I - climatológicos; II - de incêndio; III - de manejo de produtos perigosos; IV - de saúde; V - em barragens; VI - hidrogeológicos; VII - hidrológicos; VIII - meteorológicos; IX - nucleares e radiológicos; e X – sismológicos (artigo 36, § único do Decreto)
O mesmo Decreto trata do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil que, expressamente conterá, no mínimo (...) à produção de alertas antecipados das regiões com risco de desastres. (artigo 6º, § 1º, II). Referido plano, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional, será elaborado no prazo de trinta meses, contado da data de publicação deste Decreto (artigo 27). O Decreto foi publicado em 24 de dezembro de 2020.
Dada sua importância tanto do sistema, quanto do plano, aguarda-se, ansiosamente, pelas próximas diretrizes, a fim de que a partir delas seja possível aprimorar o processo de implementação da política pública neste ponto tão importante. Mas enquanto as novas diretrizes não chegam, importante destacar o que há de mais recente sobre a matéria no País.
A Portaria nº 3027/20 representa um passo na regulamentação do sistema nacional de informações, especificamente no que diz respeito a procedimento, definição de papéis e organização das informações em matéria de alerta de desastre. “Define procedimentos para o envio de alertas à população sobre a possibilidade de ocorrência de desastres, em articulação com os órgãos e entidades estaduais, distritais e municipais de proteção e defesa civil, e para utilização do sistema Interface de Divulgação de Alertas Públicos para envio de alertas via mensagem de texto (SMS), televisão por assinatura ou plataforma de avisos públicos”.
Segundo as disposições gerais da portaria, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, por intermédio do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD), é o órgão responsável pela gestão, cadastro de instituições e responsáveis e pela auditoria de utilização do serviço de difusão de alertas de desastres. Para os fins de realizar sua competência, o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres disponibilizará formulário em meio digital, no sistema Interface de Divulgação de Alertas Públicos (IDAPI), para registro das instituições e responsáveis que poderão cadastrar, enviar e gerenciar alertas, de acordo com o seu nível de atuação e instituição vinculada. O envio de alertas de desastres à população será realizado pelos órgãos de proteção e defesa civil dos municípios que detenham capacidade e estrutura operacional para sua operação. E, em caso de incapacidade dos órgãos municipais, os alertas serão enviados pelos órgãos estaduais de proteção e defesa civil. Na impossibilidade de envio de alertas por parte do órgão estadual ou municipal, ou em casos de desastres excepcionais, poderá o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres fazer o envio de mensagens à população, reportando o envio de maneira prévia aos órgãos estaduais ou municipais. (artigos 2º, 3º, 4º, parágrafo único e artigo 5º, respectivamente).
A Portaria trata do cadastro e envio de alerta de desastres e das características das mensagens. Pela relevância da disposição, cabe destacar a previsão no sentido de que “o envio das informações de alerta e recomendações para a população deve compor o plano de contingência, ou demais planos operativos do município ou estado, visando a identificação dos responsáveis e os critérios adotados para a emissão”. Ou seja, não basta apenas emitir o alerta, mas o mesmo precisa ser informativo, orientador e claro sobre os termos de execução.
No Brasil o sistema de alerta deve funcionar de forma articulada e com base na definição legal de competência em âmbito federativo. Além disso, uma rede de órgãos como INPE, CEMADEN, observatório sismológico, Ministério da Agricultura, dentre outros, fornecem ao CENAD informações. A terceira base deste tripé é a emissão dos alertas, que se dá através dos sistemas de informação, onde a tecnologia possui grande relevância.
Em relação a este último ponto, no dia 07.06.2022¹ foi lançada uma parceria entre o Google e o Governo Federal. A partir do cadastro na Interface de Divulgação de Alertas Públicos (IDAP), as defesas civis estaduais e municipais podem enviar diversos alertas por meio de SMS, Telegram, TV por assinatura e, agora, oficialmente, pelo Google. Assim, ao fazer qualquer busca no Google relacionada a desastres ou que utilize palavras-chaves sobre o tema, o internauta receberá alertas e informações sobre possíveis áreas afetadas. O mesmo ocorrerá quando o usuário utilizar o Google Maps em uma área de risco.
Conforme se pode perceber, no curso das recentes evoluções normativas sobre alerta precoce no âmbito do sistema nacional de proteção e defesa civil brasileiro, há um franco crescimento do papel e protagonismo dos municípios. Mas para que o sistema municipal de proteção e defesa civil possa desempenhar tantas atribuições, há um caminho a ser percorrido. A estruturação dos órgãos municipais, com a melhoria dos recursos financeiros, é um passo fundamental nesta caminhada. Mas questões como capacitação, sobretudo para lidar com novas tecnologias, valorização profissional daqueles que atuam diretamente no sistema, e aprimoramento da governança, com destaque para a parte normativa, que traz segurança jurídica para todos os integrantes do sistema, não são pontos menos importantes.
Em complemento, uma abordagem centrada nas pessoas requer o acoplamento de mecanismos formais, como leis, protocolos e códigos, com mecanismos informais, como o envolvimento e a participação das comunidades. Comunicação e educação também são fundamentais nesse contexto. Afinal, a eficácia de um sistema de alerta aumenta quando os cidadãos podem compreender facilmente a informações, a fim de desempenharem seus deveres ao longo do processo.
Por fim, mas não conclusivamente, a evolução e constante aprimoramento de um sistema de alerta depende de vontade política, da capacidade administrativa e técnica dos órgãos envolvidos no processo, da consideração dos grupos vulneráveis, de segurança jurídica, bem como do grau de aceitação e conhecimento das regras por parte da população.
¹ Iniciativa da Defesa Civil Nacional, por meio do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad).
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