Hoje damos início a uma série de posts que abordarão alternativas propositivas com vistas a melhorar a implementação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída no Brasil pela Lei nº 12.608/12.
Iniciaremos por tratar da relevância dos recursos financeiros nesse contexto e, mais especificamente, do papel das emendas parlamentares.
Estudo¹ realizado no ano de 2021 coletou e analisou dados e informações de 1.993 órgãos municipais de proteção e defesa civil das cinco regiões do país. As Defesas Civis municipais responderam a um questionário que dentre outros pontos indagava sobre qual a principal dificuldade para realizar o seu trabalho. Das respondentes, 26% apontaram a falta de recursos financeiros, 22% de equipe e recursos humanos, e 19% de equipamentos. Se olharmos atentamente para as três maiores dificuldades/necessidades apontas, perceberemos que todas estão atreladas ao déficit financeiro, cujo somatório eleva o percentual para mais de 60% das respostas. Ou seja, uma das grandes dificuldades das defesas civis municipais do Brasil hoje é a falta de recursos que permitam sua estruturação, o que compromete, especialmente, planejamentos, projetos e ações atinentes a todas as fases do ciclo de desastre, com destaque para prevenção. Essa informação foi corroborada por outros instrumentos metodológicos aplicados pela pesquisa.
O questionário também indagou sobre as seguintes possíveis fontes de obtenção de recursos: orçamento próprio; fundo de reserva; tesouro municipal; repasse de outras secretarias municipais; doações de pessoas físicas ou jurídicas; emendas parlamentares e programas do estado. Os resultados apontaram que em 2021:
72% das defesas civis municipais não tiveram recurso orçamentário;
76% não contou com recursos do tesouro;
74% não receberam recursos de outras secretarias;
97% e 96% não contam com doações ou fundo de reserva, respectivamente; 95% não utiliza recursos oriundos de emendas parlamentares;
90% não recebeu auxílio de programas estatais no referido ano.
Sobre cada uma dessas fontes de recurso e suas fundamentações legais trataremos em outras oportunidades. Hoje vamos olhar para a emenda parlamentar, que nos termos da Constituição Federal, é o instrumento que o Congresso Nacional possui para participar da elaboração do orçamento anual. Por meio das emendas os parlamentares procuram aperfeiçoar a proposta encaminhada pelo Poder Executivo, visando uma melhor alocação dos recursos públicos. Essa é a oportunidade que a política tem de acrescentar novas programações orçamentárias, com o objetivo de atender as demandas das comunidades que representam.
Existem quatro tipos de emendas feitas ao orçamento: individual, de bancada, de comissão e da relatoria. As emendas individuais são de autoria de cada senador ou deputado. As de bancada são emendas coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado são também coletivas, bem como as propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas. As emendas do relator são feitas pelo deputado ou senador que, naquele determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento.
Nos últimos tempos ouvimos muito falar em emenda do relator, mas essas não são as únicas alternativas existentes. Destaco aqui as emendas individuais, que são propostas feitas por cada Deputado Federal ou Senador para o orçamento do governo federal. Isso significa que cada parlamentar pode financiar uma obra ou projeto público no seu estado. Nos termos do que determina Portaria Interministerial nº 6.145/21, os autores das emendas individuais devem indicar ou atualizar os beneficiários e a ordem de prioridade no módulo Emendas Individuais do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). Os órgãos ou entidades da administração pública de estados, municípios e Distrito Federal beneficiários das emendas executam os recursos por meio de convênios e contratos de repasse e registram os dados no SIOP e na Plataforma +Brasil. O processo é transparente, e o nome do autor da emenda fica registrado.²
A Portaria segue orientação constitucional no sentido de que a aplicação dos recursos proveniente de emendas parlamentares, assim, como em toda política pública, deverá nortear-se pela finalidade precípua da Administração, que é o atendimento do interesse público e os princípios inerentes à Administração Pública, que são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37 da Constituição Federal).
Recentemente tomei conhecimento de uma experiência interessante proposta por um parlamentar federal que abriu, em uma reunião virtual, a possibilidade de votação de “emenda parlamentar participativa”. Explico: o objetivo da reunião era definir a destinação de valores para a Defesa Civil. Nesse caso, os presentes na reunião, em sua maioria agentes e coordenadores de defesa civil, eram convidados a apresentar um projeto em prol da Defesa Civil municipal. A votação entre das propostas foi feita on line, de forma participativa e democrática, com a participação ativa do parlamentar e sua equipe. Somente as duas propostas mais votadas foram consideradas para apresentação de projetos e tratativas posteriores.
Destaco esse exemplo não por razão de política eleitoreira, que não é o objetivo deste Blog, mas porque representa uma iniciativa que poderia ser replicada por todos os estados brasileiros, especialmente os que contam com defesas civis mais deficitárias em termos de estrutura. Ademais, essa é uma estratégia que amplia a visibilidade da defesa civil junto ao parlamento, movimento necessário nos tempos atuais; e evidencia o compliance do que determina a Lei 12.608/12, ou seja, atuação articulada e engajamento do poder público e sociedade na busca pelo melhor gerenciamento dos riscos e dos desastres.
Essas emendas são apresentadas formalmente em outubro. Em dezembro o orçamento é votado e os valores aprovados são liberados para execução no ano seguinte. Logo, estamos em tempo de proposições!
Importante lembrar que essa não é uma possibilidade viável apenas para o nível federal. São Paulo, é um exemplo nesse sentido. Tanto no ano de 2020, quanto em 2021, o estado destinou valores consideráveis por meio de emendas parlamentar à defesa civil, beneficiando uma série de municípios. Esse número expressivo de emendas ocorreu devido ao Programa de Reaparelhamento das Coordenadorias Municipais de Proteção e Defesa Civil - COMPDEC(S), criado pela Coordenadoria Estadual da Proteção Civil.
No Estado de São Paulo, as emendas parlamentares individuais são de execução obrigatória desde a aprovação, pela Assembleia Legislativa, do chamado orçamento impositivo. Além disso, após votação de uma emenda à Constituição estadual em 2017, 0,3% da receita corrente líquida prevista no Projeto de Lei Orçamentária Anual passou a ser reservada a esse tipo de emenda.
Muitos devem estar se perguntando, então todos os problemas em termos de recursos financeiros da defesa civil estão resolvidos? Infelizmente a resposta é não. Primeiro porque as necessidades do sistema nacional de defesa civil demandam mais recursos do que poderiam as emendas parlamentares alcançar, segundo porque valores oriundos de emendas parlamentares só podem atender determinadas necessidades ou despesas.
Contudo, essa fonte representa um aporte importante também por questões práticas, pois não demanda alteração ou tramitação legislativa (como é o caso de outras opções), apenas articulação política, observância da Constituição e legislação orçamentária. Ademais, não corresponde a recursos que possuem temporalidade e, embora a aplicação dos recursos dessas emendas seja limitada a determinadas finalidades, inúmeras estratégias podem ser adotadas para tornar os efeitos da aplicação dos valores sistêmica. Antes de 2015 a efetivação das emendas nem sempre ocorria. A fim de mudar essa realidade e tornar a execução orçamentária mais célere, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 86/2015, conhecida como Orçamento impositivo, que obriga o Executivo a pagar as emendas parlamentares.
Para serem contemplados, os municípios devem estar aptos a receber, não podendo ter problemas fiscais e no CADIN. A construção de um projeto é extremante importante. O não adimplemento de certos requisitos ou a deficiência na elaboração de uma proposta, além de outras circunstâncias, podem fazer com que os recursos destinados para este fim acabem não sendo empenhados.
As emendas parlamentares fazem parte de um conjunto de intrumentos importantes para a estruturação de sistema municipal de proteção e defesa civil, que nos termos da legislação brasileira, corresponde a: “um conjunto de órgãos e entidades da administração pública municipal responsáveis pela execução das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação e das ações de gerenciamento de riscos e de desastres” (Decreto 10.593/20, artigo 2º, X).
O Projeto Elos, por meio do Grupo de trabalho sobre Recursos Financeiros, do qual fiz parte, apresentou 6 propostas visando auxiliar a implementação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil em âmbito municipal envolvendo:
capacitação;
orçamento federal;
orçamento, tributação e fundo para Defesa Civil Municipal;
a utilização de Fundos Públicos Federais em prol da Defesa Civil (envolvendo a análise de 3 fundos);
Consórcios como fonte de recursos;
melhorias no cartão de pagamento.
A elaboração de um projeto visando a ampliação da captação de emendas individuais e de bancadas foi uma das propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho dos Recursos Financeiros, no âmbito da proposta relacionada às proposições ligadas ao Orçamento Federal.
O diagnóstico Brasil e por região, sobre as necessidades dos órgãos municipais em proteção e defesa civil, tanto em termos de estruturação, quanto de capacitação e governança, realizado pelo Projeto, pode ser acessado aqui.
¹ O projeto é uma Iniciativa da Sedec/MDR, em parceria com o PNUD (ONU) e executado pelo Cemaden/MCTI.
² A Portaria Interministerial nº 6.145 de 2021, dispõe sobre procedimentos e prazos para operacionalização das emendas individuais, de bancada estadual e de relator-geral e superação de impedimentos de ordem técnica, em atendimento ao disposto nos artigos 166, §§ 9º a 20, e 166-A da Constituição, nos artigos 64, 66 a 76 da Lei nº 14.116, de 31 de dezembro de 2020, e art. 4º, § 7º, da Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021.
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